quarta-feira, 21 de maio de 2014

Entre o chão e o assoalho

Meu sótão de ilusões foi trancafiado. O espaço foi consumido.
Estava atolado de desilusões, caixas e mais caixas de planos sabotados.
Selos e mais selos de cartas empoeiradas, cenas resvaladas, desejos racionados.
Minhas ilusões migraram pra um porão amaldiçoado, escuro, desordenado.
Tropeço nos móveis invisíveis, nos endereços e nomes ainda lacrados.
Demoro um tempo até chegar na cadeira, sei que a máquina de escrever está ali.
Posso sentir a frieza do metal. Vou batendo letra por letra, com toda a incerteza escancarada no meu rosto envelhecido.
Posso ouvir as traças, sei que há ratos zanzando e baratas me observando. Posso sentir uma aranha fazendo sua teia ali perto.
Não me incomodo. Sou eu o incômodo no comodo deles.
Horas se vão no vão do tempo.
Decepções brotam da madeira úmida e morta.
Assim a vida é reinventada.
Estou fodido. Sou um velho fodido que aprendeu a foder pra valer.
Sei que venta lá fora, sei que chove, que faz sol.
Mas aqui, nesse calabouço, meus monstros podem dançar em paz e não há ninguém para incomodar.
Isso é liberdade.