Sobre uma época que usei um vestido bege ou xadrez
Entrou assim, pedindo licença, sem esperar resposta.
Entrou e sentou no canto do sofá,
o sapato em cima do tapete, tapete um pouco empoeirado.
Ofereci um café,
aceitou.
Ofereci uma longa e detalhada narração sobre a vida,
ouviu e foi se aconchegando.
Perguntou sobre o porquê de uma lágrima encontrada abaixo do lustre, expliquei ter sido o vento o responsável por dissolver certos pesares.
A tarde caía e assistimos a um filme antigo, parecia novo e era um dos nossos favoritos.
Tal como a neve, sempre retornávamos serenos à superfície do cerne.
Pensei por um tempo, o silencio reluzia, por ora feliz.
Pensou por um tempo, o silencio ancorava, mais uma vez reles.
Revelei algo meio óbvio, sorriu e levantou os olhos.
Olhou e decorou cada sorriso,
aos poucos deve ter ansiado pelos risos e olhares também.
Caminhou pelo apartamento delicadamente,
como se tudo fosse de papel ou areia.
Caminhei pelos cômodos lentamente,
como se tudo fosse uma fotografia ou uma pintura.
Pusemo-nos um ao lado do outro e demos as mãos,
não houve promessas nem declarações.
Fitei o céu, o sol.
Observou as nuvens, o céu.
A vitrola lançava-me uma benção,
a máquina de escrever lampejava qualquer descontentamento.
Foi até a cozinha e acendeu um cigarro.
Fui à sacada e bebi outro gole de água.
Fui à cozinha e joguei migalhas fora.
Foi à sacada e desligou o mundo.
Dormiu em mim.
Dormi sem roupa.
Dancei um blues.
Dançou um blues.
Contou-me seus medos e sonhos,
ouvi e sorrateiramente fiz sentido.
Como era de se esperar,
outro acaso bateu na janela.
Como qualquer um imaginaria,
o destino gostou do caminho e repousou sobre ele.
Descobriu-me dum fevereiro desses.
Descobri-o duma noite qualquer.
Enfim saiu, pedindo licença, esperando resposta.
Saiu assim, pela porta da frente, agradecendo o café.
Foi embora, mas ficou.
Olhei para dentro e não restava muito.
Entrei para fora, eu precisava de um emprego, nada mais por agora.
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